Bartolomeu esforça-se por desvendar o mistério enquanto ao seu redor tudo parece ruir. A trama do novo livro de José Eduardo Agualusa, "Barroco tropical", passa-se em Angola, em 2020. Mas as histórias nele relatadas confundem-se com a realidade actual daquele país.
O escritor angolano afirma que o seu objectivo não foi criar polémica, mas diz esperar que "o livro traga alguma discussão".
Defende-se afirmando que "as distopias servem precisamente para fazer com que as pessoas reflictam e tentem contrariar tendências" e sublinha que, dos livros que já escreveu, "este é o que está menos colado à realidade".
"Barroco tropical" relata acontecimentos, vivências e comportamentos que se aproximam muito do que se passa na realidade angolana. Isto não lhe criou problemas?
Não. Nem acredito que possa trazer. Este é um romance que espero que possa trazer algum debate e alguma reflexão. Nunca problemas.
A história decorre em 2020. Mas parece decalcada da actualidade...
É uma distopia. Um olhar sobre o futuro. As distopias servem precisamente para chamarem a atenção sobre determinadas dinâmicas. Isto não significa que estas situações estejam a acontecer neste momento. Mas, se uma determinada dinâmica se mantiver, poderão vir a acontecer.
Como definiria "Barroco tropical" no conjunto dos sete romances que já publicou?
Ao contrário dos anteriores este livro é muito mais exuberante. Tem muitas mais personagens. Também é um dos livros em que o fantástico está muito mais presente. Tirando, talvez, "O vendedor de passados", considero "Barroco tropical" o livro menos colado à realidade. Embora quem o leia possa achar que não.
Este é um romance um tanto desassombrado relativamente ao futuro em Angola em 2020. Há corrupção, miséria, destruição do tecido social...
Sim, acho que o livro é sombrio. Mas as distopias servem precisamente para pôr as pessoas a reflectir, a discutir e a tentar contrariar tendências. Actualmente, há uma dinâmica que está em curso que, se continuar, pode levar o país a esses vários desastres de que o livro fala. Mas acredito que Angola vai conseguir inverter isso.
Como escritor, acha que pode contribuir para mudar alguma coisa?
Os escritores podem ajudar um pouquinho, embora, no que diz respeito a Angola, os livros cheguem a muito pouca gente. Quem lê livros em Angola são pessoas já com uma certa capacidade de intervenção. E se o livro as levar a reflectir e discutir o assunto já será bom.
No livro, colocou uma mulher na presidência de Angola. Acha que esse será o caminho?
Cada vez mais, vão ser as mulheres a tomar o poder. Acho que essa é uma tendência muito clara. Aliás, já há uma mulher a governar um país africano, a Libéria.
Sempre viajou muito. E os seus livros, de certo modo, transparecem esse constante movimento. Viajar inspira-o para a escrita?
Ajuda bastante. Os livros são sempre o resultado das experiências de quem os escreve.
Nas o seu objectivo primordial não foi viajar para escrever, pois não?
Não. A escrita aconteceu um pouco por acaso. Eu viajava porque gostava de conhecer pessoas. Agora viajo sobretudo por causa dos livros, para fazer a promoção.
O Prémio Independente de Ficção 2007, que lhe foi atribuído em Inglaterra, foi importante na sua carreira?
Ajudou muito. Sobretudo ajudou a que os países de expressão inglesa se interessassem mais por traduzir a minha obra.
E como autor? Criou-lhe alguma responsabilidade acrescida?
Não penso nessas coisas. É necessária alguma irresponsabilidade quando se escreve.
Uma das personagens do seu livro diz precisamente a mesma coisa...
Nem sempre concordo com o que as personagens dizem, mas com esta sim. Escrevo porque me continuo a divertir e porque acho a escrita apaixonante. Não penso nas consequências.